O Golpe Civil-Militar de 1964 é o nome que se dá à articulação golpista que, entre 31 de março e 9 de abril de 1964, realizou a tomada de poder, subvertendo a ordem existente no país e dando início à Ditadura Militar, regime ditatorial que se estendeu no Brasil de 1964 até 1985 e foi caracterizado por censura, sequestros e execuções cometidas por agentes do governo brasileiro. Durante o golpe realizado em 1964, o presidente então empossado, João Goulart, foi destituído de seu cargo.
O golpe de 1964 foi resultado de uma articulação política golpista realizada por civis e militares na passagem de 1961 para 1962. É importante esclarecer que, apesar dessa conspiração ter efetivamente surgido em 1961, a Quarta República Brasileira foi marcada por diferentes tentativas de subversão da ordem realizadas pela UDN.
O caminho que levou ao golpe de 1964 começou a ser trilhado com a posse de João Goulart (Jango) em 1961. Criaram-se diversos obstáculos à posse de Jango como presidente, que só assumiu porque foi implantado às pressas um sistema parlamentarista que reduzia os poderes do Executivo.
Por causa da estreita relação de Jango com o sindicalismo brasileiro, os grupos conservadores da sociedade viram o político gaúcho com extrema desconfiança e frequentemente o acusavam de ser comunista pelos conservadores. A crise política do governo de Jango fortaleceu-se também por causa de reformas que foram defendidas pelo governo – as Reformas de Base.
A posse de Jango não era um incômodo apenas para os grupos conservadores do Brasil, mas incomodava também o governo dos Estados Unidos, que consideravam João Goulart um político “muito à esquerda” do que se esperava de um presidente brasileiro.
Duas ações do governo de Jango aumentaram essa oposição do governo americano, que passou a financiar as movimentações golpistas no Brasil. A primeira ação foi a Lei de Remessas de Lucros de 1962, que impedia multinacionais de enviar mais do que 10% de seus lucros para o exterior. A segunda medida que desagradava aos americanos era a continuidade da política externa independente do Brasil e praticada pelo Ministro das Relações Exteriores, San Tiago Dantas.
Com isso, a partir de 1962, os Estados Unidos passaram a financiar ativamente grupos e políticos conservadores no Brasil. Dois grupos que recebiam amplo financiamento americano ficaram conhecidos como “complexo Ipes-Ibad”, sendo Ipes o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, e o Ibad, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática.
O Ibad, inclusive, foi alvo de uma CPI em 1962 porque recebeu milhões do governo americano para financiar a campanha de mais de 800 políticos durante as eleições daquele ano. Os políticos apoiados eram políticos conservadores, e o objetivo era criar uma frente parlamentar que barrasse o governo de João Goulart de todas as formas. Segundo a legislação brasileira da época, esse tipo de financiamento era ilegal.
Já o Ipes era um grupo que atuou decisivamente no sucesso do golpe civil-militar em 1964. Em sua fachada pública, o Ipes atuava como instituição que fazia produção intelectual de livros e documentários, mas a atuação secreta do Ipes nos quadros políticos do Brasil é resumida pelas historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling:
[…] o Ipes agiu contra Goulart com uma política de duas vertentes. A primeira consistiu na preparação e execução de um bem orquestrado esforço de desestabilização do governo que incluía custear uma campanha de propaganda anticomunista, bancar manifestações públicas antigovernistas e escorar, inclusive no âmbito financeiro, grupos e associações de oposição ou de extrema-direita.
A desestabilização do governo de Jango também foi, em grande parte, realizada pela imprensa brasileira. Os jornais de grande circulação do Brasil uniram-se em uma articulação golpista que recebeu o irônico nome de Rede da Democracia. A mobilização pelo golpismo da imprensa partia da seguinte leitura da realidade política brasileira:
[…] os jornais passaram a ser peças-chave na conspiração a partir do final de 1963. Tradicionalmente ligada à linha liberal-conservadora, a grande imprensa brasileira consolidou a leitura de que o país caminhava para o comunismo e a subversão no coração do poder, ou seja, a própria presidência da República.
Radicalização política
A conspiração em curso contra o governo de João Goulart foi resultado do temor de grupos conservadores com a ascensão dos movimentos sociais, como os movimentos de camponeses, operários e estudantes. A sociedade brasileira estava rachada ideologicamente entre direita e esquerda, e um dos grandes alvos de debate foram as Reformas de Base.
As Reformas de Base foram um programa estipulado pelo governo Jango que criou uma agenda e promoveu um debate a respeito de entraves estruturais da sociedade brasileira. Elas estipulavam reforma agrária, tributária, eleitoral, bancária, urbana e educacional. Entre todas essas propostas, a que teve discussão mais avançada nos quadros políticos brasileiros foi a agrária.
A reforma agrária dominou o debate político nacional de março até agosto de 1963 e dividiu esquerda e direita. Formaram-se grupos de trabalhadores camponeses que começaram a invadir propriedades rurais e a pressionar o governo pela realização da reforma – mesmo que a força. Os proprietários, por sua vez, eram contrários à reforma agrária.
A proposta defendida pela esquerda estipulava que terras com mais de 500 hectares que fossem improdutivas seriam alvo da reforma e que a desapropriação dessas terras seria realizada mediante indenização de títulos da dívida pública a ser resgatados em longo prazo. Já a direita até aceitava negociar, mas defendia que a reforma agrária deveria acontecer de acordo com os mecanismos constitucionais, ou seja, mediante pagamento indenizatório em dinheiro e à vista conforme valor de mercado.
Isso fez o debate emperrar, e a não realização da reforma agrária agravou a situação. Invasões de propriedades espalharam-se por diversas partes do Brasil. Além disso, por causa do desgaste gerado pelo debate, a base parlamentar de Jango vinculada ao PSD bandeou-se para a oposição udenista.
As dificuldades do governo de Jango aumentavam com a intransigência de muitos grupos da esquerda que queriam realizar as Reformas de Base a todo custo. Essa ala tinha como grande nome Leonel Brizola – cunhado de João Goulart, havia sido governador do Rio Grande do Sul e, a partir de 1963, tornou-se Deputado Federal pela Guanabara.
Essa atuação radicalizada da esquerda na defesa das Reformas de Base foi explorada pelos grupos que articulavam o golpe. Assim, um discurso disseminou-se pelo país:
Para justificar um possível golpe da direita, cada vez mais disseminou-se a ideia de um golpe da esquerda em gestação. […] a artimanha da direita foi a de construir equivalência entre a agenda reformista que pedia mais justiça social e mais democracia, […], e um golpe contra a liberdade e a própria democracia. Essa assertiva levava a uma conclusão lógica: o eventual golpe da direita, na verdade, seria meramente reativo, portanto, legítima defesa da democracia e dos valores “ocidentais e cristãos” contra os “radicais” da esquerda.
O grande paradoxo de toda essa situação era que, mesmo com o discurso golpista articulado por imprensa, grupos civis e militares, o apoio popular ao governo de João Goulart era consistente. Dados do Ibope de março de 1964 apontam que 45% consideravam o governo vigente “bom” ou “ótimo”, e as intenções de voto para um possível candidatura de Goulart para disputa presidencial em 1965 eram de 49%
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